Esta semana a entrevista da DreamAchieve é com Sérgio Ramos, atual Treinador adjunto da Seleção Nacional de Seniores Masculinos, tendo também sido um dos melhores jogadores portugueses de sempre.
1 - Sérgio, enquanto atleta e agora como treinador, por onde foi o teu percurso?
Comecei a jogar num clube de bairro, Sport Clube Maria Pia, dos 10 aos 14 anos de idade. Na altura o meu treinador foi convidado a ir treinar para o Estrelas da Avenida e eu fui com ele. Joguei nos Estrelas dos 14 aos 19 tendo iniciado o meu percurso na equipa sénior com 16 anos.
Depois transferi-me para o Benfica, onde estive 4 anos, dos 19 até aos 23 anos.
Depois iniciou-se o meu percurso pelo estrangeiro: Adecco Milano e Avellino (LEGA 1); Lleida (ACB); Palma Maiorca (LEB ouro); Drac Inca (Maiorca) (Leb ouro).
Como treinador, estive como adjunto do Prof. José Tavares nos cadetes do Benfica em 2014/15, 4 anos no Benfica nos escalões de formação (2 anos sub-14, 1 ano sub-16, 1 ano sub-18), 2 anos nos seniores no Clube Futebol “Os Belenenses”, e um ano como adjunto da Seleção Nacional Sénior Masculina.
Resumidamente 32 anos ligados ao basquetebol!
2- Foste um atleta internacional de grande destaque na Liga Portuguesa, e foste dos poucos atletas a conseguir ter uma carreira sólida em Ligas europeias. O que acreditas ter feito diferente dos outros para alcançar esse patamar?
Em primeiro lugar acho que o talento é um requisito fundamental para que clubes de outros países reparem em nós. Acho que tive muita sorte nos treinadores de formação que tive que me ensinaram a jogar e ajudaram a desenvolver um conjunto de competências e capacidades que me permitiram destacar no alto rendimento. Depois acho que o trabalho individual e o gosto pelo basquetebol fizeram o resto – gostava muito de jogar, de treinar, de competir. Os meus verões eram passados no campo do Maria Pia em jogos (5x5, 3x3, 1x1) ou em competições de lançamentos com os meus amigos. Raramente estava em casa, saía depois do almoço e chegava depois das 9 (com direito a repreensão da minha mãe!).
Por último, penso que a ambição de querer ser melhor e de competir com os melhores fizeram-me tomar decisões importantes quando surgiram as oportunidades.
Quando fui para Itália (a convite do Adecco Milano) fui ganhar menos dinheiro do que ganhava no Benfica, mas sabia que se queria ser melhor jogador era para Itália que deveria ir. Queria testar-me, evoluir, competir contra os melhores, e sabia que só saindo de Portugal o poderia fazer na sua plenitude. Saí dois anos mais tarde do que deveria ter saído, mas fi-lo quando surgiu a oportunidade.
3- O que acreditas ser necessário para um atleta atingir o seu máximo potencial?
Primeiro trabalhar muito, todos os dias, com a máxima intensidade. Treinar e treinar é a única solução para sermos melhores e podermos estar preparados para competir. Só com muitas horas de prática podemos melhorar e evoluir. Os treinadores são uma peça chave no processo de formação. Sempre tive treinadores que me ajudaram a melhorar e me deixaram crescer. Eu com 15 anos, na minha equipa de cadetes jogava a base, era o jogador mais alto da equipa, mas jogava a 1. Possivelmente havia melhores dribladores que eu, que não perdiam tantas bolas nas transições ofensivas, mas o meu treinador (Luís Guedes) achava (ainda bem!) que se jogasse naquela posição poderia desenvolver um conjunto de competências técnicas e táticas diferentes daquelas que se jogasse mais por posições interiores. Acho que o meu jeito para jogar facilitou-lhe essa decisão, mas acho que o mérito é seu.
O esforço pessoal, a ambição e o trabalho diário colocam-te numa posição favorável para poderes aproveitar as oportunidades que surgem.
Acho que é importante estar no sitio certo à hora certa para se ter oportunidades para demonstrar o nosso potencial. Se a oportunidade de ter ido jogar para Itália não tivesse surgido não teria atingido os patamares de rendimento que depois atingi na Liga ACB.
4 – Hoje como treinador, o que aconselharias ao Sérgio jogador?
Uff… Acho que era demasiado perfeccionista quando era mais jovem, queria ser sempre o melhor em tudo e detestava perder (às vezes tinha mesmo mau feitio!). Acho que essas caraterísticas são positivas no sentido de teres ambição de ser melhor e de te esforçares para o alcançar, mas podem ser prejudiciais quando não consegues estabelecer objetivos individuais realistas e adequados à realidade. Dou um exemplo simples desse desajuste das minhas expectativas ao contexto: quando tinha 16 anos estreei-me nas competições Europeias contra uma equipa Belga (Charleroi). Joguei 10 minutos e tive a oportunidade de defender uma lenda da seleção soviética campeã olímpica, Homicius. Nesse jogo defendi-o bem e marquei 1 ponto de lance livre (marquei um e falhei outro). Depois do jogo lembro-me de estar chateado e frustrado de ter falhado 1 lance livre e de ter jogado apenas 10 minutos em vez de estar contente por ter marcado 1 lance livre nas competições europeias com apenas 16 anos.
O perfeccionismo não me deixou desfrutar do momento de uma estreia europeia com 16 anos.
Na minha primeira etapa de Benfica surgiram muitos momentos destes quando jogava menos tempo que me frustravam e faziam duvidar das minhas capacidades. Depois ao longo dos anos fui melhorando e fui capaz de adequar muito melhor as expectativas e os meus objetivos pessoais à realidade onde estava inserido.
Outro aspeto que desenvolvi mais tarde com a minha experiência no estrangeiro foi o significado de “ser profissional” e todos os passos que têm que ser dados para cuidares do teu corpo e o colocares numa posição onde lhe possas tirar o máximo rendimento (ex., o trabalho físico, a alimentação, o descanso)
Se tivesse que dar um conselho seria este: mais paciência, menos perfeccionismo e adequar melhor os meus objetivos pessoais ao contexto e aprender “a ser profissional” mais cedo na minha carreira.
5- Que aprendizagens do basquetebol levaste para a tua vida?
Acho que o basquetebol é a minha vida e por isso é difícil dividir estas duas dimensões. No entanto acho que a perseverança, o espirito de sacrifício, a responsabilidade, a disciplina, o respeito pelos outros, o trabalho em equipa, foram competências que fui desenvolvendo no desporto e no basquetebol em particular.
Acho que o modo como nos relacionamos com os outros no campo de basquetebol, os nossos comportamentos, as nossas atitudes revelam bastante o nosso caráter e o modo como realmente somos. Acho que o desporto molda um pouco o caráter das pessoas, mas sobretudo revela-o. Acho que ao longo do meu percurso no basquetebol (como atleta e como treinador) sempre consegui ser bem-sucedido sendo respeitador com todos os intervenientes do jogo (jogadores, treinadores, árbitros e dirigentes).
O basquetebol deu-me tudo: conheci a minha mulher, fiz inúmeras amizades, deu-me independência financeira, possibilitou-me viajar e ajudou-me a crescer como homem e cidadão. Estarei sempre em divida para com ele.
6 – Foste um atleta internacional que acumulou 115 internacionalizações, e hoje és adjunto da Seleção Nacional de Seniores Masculinos. Qual é a sensação?
De um enorme orgulho e de agradecimento às pessoas que confiaram em mim ao longo destes anos: aos treinadores que me convocaram enquanto jogador e ao prof. Mário Gomes que me convidou para adjunto da seleção.
Acho que enquanto jogador não valorizamos completamente o facto de podermos representar o nosso país e poder fazer parte de uma equipa com os melhores jogadores nacionais. Não é que não a consideremos importante, mas absorvemos esta experiência como algo normal e não como algo especial. Acho que apenas a valorizei completamente quando deixei de ir à seleção com 32 anos. Na altura abandonei por um conjunto de questões pessoais que me fizeram tomar essa decisão, mas arrependi-me mais tarde.
7- A DreamAchieve promove a importância de temas de Psicologia e Coaching no Desporto. São abordados temas relacionados ao comportamento, motivação, mentalidade, superação, espírito de equipa, comunicação, e muitos mais… Na tua opinião, qual foi a importância destes temas na tua prática desportiva, e hoje na tua prática de treinador?
Acho que as minhas respostas anteriores responderam já a esta pergunta. Acho fundamental a Psicologia e Coaching no Desporto no sentido de ensinar os jogadores, e também os treinadores, a perceberem melhor a realidade circundante: as suas perceções sobre a realidade, a definição de objetivos realistas, a gestão das emoções, etc….
Dou o meu exemplo pessoal. Sempre fui bastante ansioso antes dos jogos: ficava preocupado com o que ia acontecer, se ia corresponder às expetativas do treinador e dos colegas, se conseguia fazer a minha equipa ganhar, sempre com uma grande carga emocional nos meus ombros. Colocava-me num estado mental que por vezes não era funcional para mim. Aprendi ao longo do tempo (e com a ajuda de um psicólogo que trabalhou comigo em Lleida na altura da minha lesão do joelho) a aprender a gerir os meus estados de ansiedade e a ajustar as minhas expectativas sobre o meu rendimento.
Encontrei umas rotinas que não me retiravam completamente a ansiedade (precisava dela para estar preparado para competir e render) mas que a colocavam num patamar onde era funcional para mim. Ajudavam-me a preparar para o jogo e para a competição.
Como treinador dou extrema importância a este aspeto. Se os jogadores não estiverem bem psicologicamente, se as suas expectativas e papeis não estiverem claros nas suas cabeças, se os objetivos pessoais e coletivos não forem adequados, se a coesão coletiva não for a ideal, é difícil que a equipa funcione. Ser treinador é também intervir sobre os aspetos psicológicos que são determinantes no rendimento desportivo de uma equipa.
8- Se pudesses dar um conselho a todos os atletas e treinadores que te admiram, o que seria?
O mais importante é que sintam paixão pelo que fazem, seja a jogar ou a treinar.
Sejam ambiciosos e perseverantes. Esforcem-se por ser o melhor que conseguirem ser. Respeitem os demais.
Tentem contribuir para a construção de algo maior que cada um de vós.
Em apenas uma frase diz-nos:
Momento mais alto da tua carreira: Jogador da semana e do mês na Liga ACB e ser considerado como um dos melhores extremos da competição.
Pessoas mais importantes no teu percurso: A minha mãe e a minha família, os meus amigos mais íntimos e os meus treinadores.
Lugar preferido no mundo: Lisboa.
Sérgio Ramos Basketball Camp
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